Para lá de mim

Lembras-te daquela tarde de carnaval, quando éramos miúdos e andávamos pela rua sem saber o que era a vida? Eu não tinha o que vestir e uma amiga emprestou-me a sua roupa, usei aqueles calções que tinham uma rosa no bolso de trás, tapada pela t-shirt branca em que tu casualmente colocaste os braços à volta e entrelaçaste os dedos para que eu não fugisse de ti, tinhas aquela t-shirt preta que eu já tinha visto de certeza, na qual eu deitei a cabeça, eu acho que nunca te disse, mas conseguia sentir o teu perfume, que agora me confunde quando o sinto numa multidão de desconhecidos. 

Lembro-me agora que te ignorava porque tinha medo que percebesses que ainda te amava, foi a primeira vez que acabamos, por qualquer coisa estúpida que eu disse quando estávamos a falar ao telemóvel. Quando voltaste eu lembro-me de ter corrido para os teus braços, se pudesse congelava essa manhã. 

No outro dia eu estava sentada ao pé da casa-de-banho e tu foste ter comigo e sentaste-te na outra ponta, olhaste para mim e fizeste-me sorrir, qualquer lágrima teria desvanecido com a tua presença, não por medo de se mostrar, mas por já não ser necessária, eras o meu consolo preferido. Hoje consigo ver as cores que nessa época pintei de branco e preto. Era só uma miúda, mas não te deixes enganar pela silhueta de jovem mulher, porque continuo a ser a mesma rapariga com os mesmos medos de sempre. 

Eu apego-me às lembranças que tenho desse tempo, são a única coisa que me restam, não me consigo lembrar do tom da tua voz, mas lembro-me de como me fizeste sentir. Eu magoei-te e tu magoaste-me, estivemos olho no olho e agora iniciamos jogos de quem se importa menos, quanto mais penso sobre nós, menos futuro existe, não me chega o conhecimento da tua existência, eu quero poder tocar-te. 

O que importa e o que me consola é que tu marcaste-me independentemente de como as coisas aconteçam no  final deste capítulo e que para além de mim, existes tu.